"Cozinhar é o mais privado e arriscado acto. No alimento se coloca ternura e ódio. Na panela se verte tempero ou veneno. Cozinhar não é um serviço. Cozinhar é um modo de amar os outros" - Mia Couto in o Fio das Missangas

"Cozinhar com sabor são delícias compartilhadas com amor!" - Aimara Schindler

Breve descrição da culinária cabo-verdiana

Tal como o próprio povo cabo-verdiano, a culinária das ilhas de Cabo Verde é um produto da miscigenação da culinária típica dos povos da costa ocidental africana e da culinária portuguesa. São mais de cinco séculos de evolução que deram origem a uma culinária autêntica, onde os pratos à base de peixes e mariscos ocupam um lugar de destaque em virtude da natureza arquipelágica do país. Contudo, não só aos pratos confecionados com peixes se resume a culinária cabo-verdiana, não podendo nós falar dela sem nunca mencionar a tradicional cachupa.

Numa terra onde o milho é ouro a cachupa é a joia da coroa. Sejam nas cidades ou nas aldeias, a grande maioria dos cabo-verdianos tem na cachupa o seu principal sustento. Um prato de cachupa guisada acompanhada de ovo estrelado ou linguiça “de terra” e uma chávena de café são os ingredientes essências para manter as baterias carregadas, principalmente para aqueles que labutam nos campos no rabo da enxada. Também são raras as vezes que a cachupa não vai à mesa no jantar e, principalmente, aos fins-de-semana é servida nos almoços que acompanham as reuniões familiares. Bendita cachupa!

Mas com o milho não se faz apenas cachupa. São várias as aplicações deste produto na culinária crioula. Com a farinha faz-se o cuscuz, o “fongo”, os foguinhos, as papas de milho, as filhoses, os pastéis, o xerém, entre outros. Com os grãos torrados obtém-se o “prentém” (muito parecido com as pipocas) e, da tritura deste na pedra de almofariz (“pedra de rala”), a camoca.  

A tradicional matança de porco é um dos outros momentos marcantes da culinária cabo-verdiana. Normalmente, por altura do verão (Julho e Agosto), com a chegada dos familiares que residem na Diáspora, prepara-se a matança do porco que esteve a engordar ao longo do último ano. Com algumas das vísceras do porco (pulmões, rins, fígado…) faz-se o convidativo “friginato” que é servido juntamente com a cachupa ao pequeno-almoço, enquanto as tripas e o bandulho são reservados para os enchidos.

Os intestinos grossos e o bandulho são enchidos com um preparado feito de farinha de milho e o sangue do porco, sendo localmente conhecidos por (“bochada”) e (chouriço de sangue). Por seu turno, os intestinos delgados, que são enchidos com um preparado de carne e toucinho temperados e deixados algum tempo ao sol a secar antes de serem levados ao fumeiro, dão origem as linguiças. Antigamente, por não haver energia elétrica nas aldeias e, consequentemente, sistema de refrigeração, boa parte da carne e do toucinho era conservada pela técnica da salga. 

A terra pode ser árida devido a falta de chuvas, mas ela é altamente fértil, o que permite a produção de várias espécies fruteiras, tubérculos, hortaliças, legumes e cereais que entram na confeção de várias iguarias, tais como doces e compotas, saladas, cozidos, licores e aguardentes, queijos e requeijão, especiarias e chás. Aliás, podemos mesmo conferir a importância da fertilidade do solo das ilhas de Cabo Verde e a sua forte correlação com o período das “azáguas” (chuvas) nesta passagem pelo poema Terra Fértil do poeta cabo-verdiano Jorge Barbosa (BARBOSA, 2002, p. 41).

Convidámos-lhe a embarcar connosco nesta viagem pela culinária das ilhas de cabo-verde e a conhecer um pouco mais da história destes dez grãozinhos de terra que Deus espalhou sobre o imenso Atlântico.

Votos de boa viagem e de bom apetite!